25 de fevereiro de 2011
A “EX-SALA” de música do Centro Pedagógico
Eugenio Tadeu*
Até quando será preciso justificar a importância das artes em uma escola de ensino fundamental? Fiquei sabendo da estarrecedora e triste notícia sobre a “ex-sala” de música no Centro Pedagógico da UFMG. Aquela na qual passaram professores, artistas e crianças e que guarda uma história rica na formação dos alunos da escola.
Por ela passaram estudantes que se transformaram em artistas, embora a arte no ensino fundamental não tenha o objetivo de formar artistas, mas de contribuir para que muitos talentos sejam despertados ali, naquele miúdo do cotidiano escolar. Sala que viu surgir e abrigou, durante 10 anos, o Pandalelê: Laboratório de Brincadeiras do CP-UFMG.
Aquela sala, agora, está fechada para a música. As crianças e os adolescentes não terão um espaço adequado para o movimento rítmico, escuta, criação musical e aprimoramento da atenção, tão necessários à prática artística e à vida em geral, inclusive para o próprio desempenho escolar. Muitas vezes confundimos privilégio com condições de trabalho. Se sempre foi possível uma sala apropriada ao ensino de música, por que transformá-la em uma sala comum? É a escola de pesquisa que se torna uma escola comum?
O piano da sala está mudo. Trancado e calado para sempre? Como explicar as razões desse fechamento em um momento em que a música se torna obrigatória no ensino fundamental? Qual a justificativa para essa escola, que tanto contribuiu para o ensino de forma geral, cometer um ato tão simbólico? É lamentável. As mudanças são necessárias e até em time que está ganhando é preciso mexer, contrariando o velho ditado. Mas é difícil compreender a razão de se mexer em algo quando a perda é muito maior do que os ganhos.
O que venho acompanhando, desde o final do ano passado, tem demonstrado que o tempo é outro. Parece-me que o CP está tomando um rumo diferente do tempo em que o grupo de professores acreditava em um processo de educação diferenciado, mais aberto e distinto do que se vê por aí. A escola virou, de vez, uma escola como outra qualquer? E os pais e mães? Que tipo de escola eles almejam para seus filhos?
Lamento a pressão que o Núcleo de Arte tem vivido no CP. Essa escola, inserida no ambiente universitário, está indo em uma direção preocupante em relação à presença das artes em seu ensino fundamental. Além das questões acima, observo outra de gravidade institucional: de um lado, temos duas unidades da UFMG que oferecem licenciaturas na área artística: música, artes visuais, teatro e dança. A primeira, na Escola de Música e as outras três, na Escola de Belas-Artes. Cabe lembrar que as Licenciaturas em Música e em Artes Visuais existem de longa data. Já a Licenciatura em Teatro funciona desde 1999, e, no ano passado, iniciou-se a primeira turma de Licenciatura em Dança.
De outro, temos o CP que fecha a sala de música e impõe obstáculos para o exercício do ensino das artes. É a primeira vez, em seus 40 anos de existência, que a escola começa um novo ano letivo sem um professor na área de música. Ou melhor, observamos a ausência da sala e do profissional do ensino de música, duas referências que marcam uma ideia de escola.
Em um ambiente escolar qualquer professor pode cantar, desenhar, fazer um jogo teatral e dançar, além de levar essas manifestações aos seus alunos. Porém, o ensino das artes cabe àquele que recebeu formação específica. É esse profissional que fornecerá as ferramentas técnicas e expressivas para que o aluno possa desenvolver sua potencialidade artística. Pode qualquer pessoa ministrar aula de geografia, de matemática? Qualquer um pode alfabetizar?
Parece-me uma incoerência que a própria UFMG tenha cursos de licenciatura em quatro áreas artísticas, e a Escola de Ensino Fundamental, inserida em seu ambiente acadêmico, não reconheça esses cursos. Será que a própria Universidade não está acreditando no que faz? O que vamos dizer aos nossos alunos da graduação que se formarão em uma dessas licenciaturas artísticas? Que lastro o CP dará a seus alunos em relação à presença das artes no ambiente escolar?
É nesse contexto que chamo a atenção para o que vem acontecendo com as artes no CP. A música, que é o foco da questão atual e especificamente ao longo desses anos de sua presença na matriz curricular, teve um lugar de destaque na experiência de seus alunos. Essa escola pública, inserida no espaço universitário e privilegiado para a pesquisa, pôde influenciar um número bastante significativo de alunos que se tornaram artistas e que estão atuando profissionalmente como músicos, seja como instrumentistas ou como docentes. É importante lembrar que não basta a escola ter essa arte em seu currículo; a família também tem importância vital nesse processo formativo, inclusive em qualquer área profissional. A música é constituinte da cultura humana. Alguém já viu uma sociedade sem expressão musical? Ela é parte inseparável da textura das relações entre os seres humanos e entre as pessoas e a própria vida.
Fica aqui o registro de minha tristeza e indignação com o que vem acontecendo com o Núcleo de Arte daquela tão querida escola. Núcleo que sempre foi bem avaliado pelos órgãos da UFMG nos relatórios anuais e, principalmente, pelos alunos que passam por lá.
Como diz um provérbio árabe: “Só se atiram pedras em árvore que dá frutos”.
*Professor da Escola de Belas-Artes da UFMG. Ex-professor do Centro Pedagógico.
Este texto foi publicado no Boletim da UFMG de fevereiro e está disponível no link http://www.ufmg.br/boletim/bol1727/2.shtml.
Vamos Conversar?